02/06/2020

03m 20s

A. O Super 8 não desapareceu do mundo do cinema. Deixou de ser um formato dito amador, para passar a existir como um recurso raro, mas emblemático, em que se cruzam a nostalgia e a experimentação, a herança do passado e, por vezes, alguma sugestão vanguardista. Criado em 1965 pela Kodak, a sua herança envolve uma certa ideia de democratização do acto de filmar, inseparável de uma sugestão de intimismo — mesmo nas suas aplicações mais prosaicas, o filme em Super 8 tem sempre como ponto de fuga uma marca de privacidade, uma hipótese de confessionalismo.

B. Na herança histórica, estética e também mitológica do Super 8 coexistem os mais diversos imaginários — do registo das férias para partilhar com familiares e amigos, até modos de experimentação mais ou menos marginais, porventura impossíveis de concretizar através das regras dos formatos profissionais. E há uma medida que ficou como uma espécie de duração ideal de um olhar breve e vulnerável, mas de inequívoca verdade individual: 03 minutos e 20 segundos — o tempo original das bobinas de Super 8 (tanto mais sedutoras quanto, quando olhamos para elas, a noção convencional de bobina não se aplica).

C. Quando se começou a instalar a inquietação dos primeiros sinais do COVID-19, apresentei aos alunos de Cinematografias V uma sugestão, sem programa definido, e também sem carácter obrigatório: talvez fosse interessante recuperar a herança do Super 8 (mesmo sem Super 8) e tentar fazer pequenos filmes "caseiros" que, de uma forma ou de outra, reflectissem este tempo de fechamento em que, por optimismo ou desespero, somos levados a contemplar o presente num misto de atenção e perplexidade, precisão e indecisão. O título do projecto — 03m 20s — não era uma obrigação, apenas um sinal da nossa possível e desejável contenção temporal e discursiva. Este blog é o espelho de tal projecto.

João Lopes